Só sentia as folhas a estalar por baixo das minhas botas felpudas, o meu cabelo (já enorme, mais uma vez) a voar, enquanto eu ajeitava o cachecol e apertava o casaco para o frio não me gelar... e pensava no quanto queria que me acompanhasses neste Outono, e no Inverno que chega a passos largos. Eu a desejar o peso dos teus braços bem compostos, com os biceps bem definidos, nos meus ombros, enquanto me agarravas o nariz em jeito de brincadeira e sorríamos porque juntos a vida era menos fria. Tu pensas nisso? Tens saudades da minha voz a aquecer-te a orelha nos sussurros que trocávamos, como eu tenho da tua, ou já te esqueceste daquilo que fomos? Da forma como me corrias nas veias e de como o meu coração te bombeava para todas as minhas células, para que nenhuma se esquecesse que és elemento crucial à vida e que sem ti as mutações são constantes. E já não há células a sorrir em mim; daquelas em que as mitocôndrias se uniam para formar um sorriso e os lisossomas formavam os olhinhos que pareciam brilhar. Hoje, só existem células com mutações coraçómicas, porque lhes falta o corassoma crucial à vida, que és tu. E sem ti não existe amor, nem células a sorrir, nem Outono e Inverno que parecem Primavera e Verão. Sem ti só existe a vida como ela é, e eu como nunca quis ser. Continuo no mesmo sítio de sempre, à tua espera. Volta, aquece-me os pés e deixa-me aquecer-te as mãos. Vem ser feliz comigo.
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
domingo, 17 de novembro de 2013
cair no esquecimento
Às vezes gostava de ser uma molécula de oxigénio. Porquê,
perguntas tu. Resposta fácil, decorada na ponta da língua como acontecia com a
tabuada na escola primária: para entrar no teu coração. Apanhar boleia do teu
sangue, conhecer-te as entranhas usufruindo da vista privilegiada das artérias,
não gosto dos capilares porque são apertados, e quando chegasse ao coração ia
agarrar-me com força, até conhecer cada canto dele. Explorar cada aurícula e
cada ventrículo. Procurar-me lá. Ver se me guardas em alguma gaveta, se
preferes ter-me pendurada no endotélio ou se não me tens lá, simplesmente.
Queria vasculhar as tuas memórias, saber onde estão os teus medos e se eu entro
nos teus sonhos. Queria olhar para mim e ver-me como tu me vês. Sim, eu
acredito que me encontraria lá, nem que fosse em formato pequeno, mal tratada e
esquecida num canto qualquer. Eu sei que de uma maneira própria tua,
desconhecida minha, eu te abalei o coração. Caso contrário, as coisas tinham sido diferentes e tu não tinhas feito nada do que fizeste por mim. A diferença está na velocidade com que vais deixar que eu saia daí, se vais deixar. Eu tenho medo que me esqueças num piscar de olhos e que eu me lembre sempre de ti. Tenho medo de um dia me cruzar contigo na rua e sentir que fazes parte de mim, porque sou assim mesmo com todo o meu passado, e que tu... que tu nem do meu nome te lembres. E sabes porque tenho medo? Porque sei o quão isso é provável. Dei-te mais do que merecias, isso nunca marca ninguém. Era isso que queria descobrir no teu coração.
terça-feira, 12 de novembro de 2013
mundo de sonho(s)
Pensei que o coração a bater mais rápido era só o álcool a correr-me nas veias, mas estava enganada. Era a nossa música, na nossa cidade, no nosso dia e só faltavas tu. E parecendo que não (pelo meu sorriso estonteante de quem intoxica as mágoas nas garrafas) és a peça principal do puzzle que é a minha vida. Faltavas, disse bem. Faltavas porque apareceste. Sempre lindo. Homem de poucos risos, mas de muitos sorrisos. Quis ignorar o exército de memórias que se preparava para me atacar, por isso comecei a soltar os disparates do costume - adoro ver os meus amigos rir, isso deixa que o meu coração se alimente do sorriso deles. E tudo estava bem, eu a ignorar-te, tu feliz, e o exército bloqueado. Até tu alterares o equilíbrio que a Natureza criou para nós e a tua mão no meu ombro congelar tudo em mim, e aí, nem o vinho todo que tinha bebido em memória de nós, num brinde aos meus amigos, me valeu para me segurar firme. Olhei para ti e só me fizeste um gesto ao de leve com a cabeça como quem implorava que te seguisse. Os teus olhos não sorriam como era normal, isso preocupou-me. Fui então. Segui-te. Sempre atrás de ti, sempre a pensar que se te tocasse me desfazia. Elaborei mil questões mentalmente para estares a fazer aquilo, depois de tudo. E nenhuma acertou na mouche. Mal abriste a boca, baixei os olhos, e ouvi-te dizer que não aguentavas mais ver-me feliz sem ti. Quis rir-me na tua cara. Eu, feliz, sem ti, são palavras que não podem coexistir na mesma frase. Mas não refutei, deixei-te falar. E falaste. Falaste mais do que alguma vez eu tinha assistido. Não abri a boca uma vez e no entanto sinto que ainda falei mais que tu, em cada lágrima que viste cair-me da cara. Já te via desfocado, das lágrimas, pensava eu. Até acordar, na minha cama, como se tudo fosse um sonho. E se calhar foi, ou então não. Nunca saberei a verdade nem nunca mais te falarei. E o único sempre que existirá entre nós, na verdade, é só meu. É que sempre te amarei.
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
corações feitos de dor
Sempre me gabei
de ter um coração de carne, que ainda cheio de espinhos continuava inteiro, e a
bater. Depois de hoje, já não sei de que são feitos os corações reais. Um
coração de carne não se desfaz como se fosse um coração de puré. Ainda que a
situação seja amarga para a alma, carne é carne, puré é puré, e os corações são
feitos de uma matéria estranhamente invulgar capaz de ter o comportamento dos
dois. Sou contra. Sou capaz de criar um abaixo assinado contra este tipo de
tecido. Não é de qualidade e a segurança dos Humanos fica permanentemente em
risco, dado que estamos a um passo de ver o nosso coração desfeito e sem forças
para se juntar. Não é justo, nem viável. Não vivemos num mundo encantado onde
não é preciso tomar precauções contra enfermidades da alma e do coração. Com um
coração feito disto é impossível precavermos uma desgraça, é difícil controlar
o desespero só em pensar que um dia podemos ter o nosso coração feito puré
pronto a ir para o lixo porque já ninguém o quer e o prazo de validade é pequeno.
Mais valia um coração de vidro, ou até de pedra, que fosse. Eu a dizer que
prefiro um coração de pedra (que desprezo) a um coração de puré. É só que é
preferível não sentir a sentir que somos um nada perante a vida. Porque
somos... e eu sei disso, mas não o quero sentir na pele, melhor, no coração.
Não quero sentir que ele se decompõe à velocidade da luz e acaba numa
infinidade de partículas que já não conseguem ser mais nada, partículas onde a
compactação já não é possível e o remédio é aprender a viver com um coração
feito de pedacinhos de batata. Como se aprende a viver assim? Não sei. E acho
que só quem lá passa sabe, por isso quero ficar na ignorância toda a vida, por
favor. Chega ver algum dos meus assim e não poder fazer nada, juro que chega.
domingo, 10 de novembro de 2013
hora de retomar a viagem
São engraçadas as voltas que o destino dá. Logo depois de ter construído esta casa nova, fui capaz de perder a chave dela. Pensei só que não a merecia e que a minha escrita estava mesmo bem era escondida do mundo, nas gavetas do meu quarto, guardada em papeis amarrotados. Pensei isso até hoje. E até hoje não escrevi mais para ninguém ver. Até hoje, porque foi o dia de o destino trocar as voltas e eu reencontrar a chave desta casa. Talvez eu tenha só precisado de me afastar mais uns tempos, talvez só agora eu esteja pronta para abraçar uma nova casa sem reservas, ou talvez isto não queira dizer nada e eu esteja só a delirar como é já costume. Para mim tudo tem um sentido na vida, e quando não tem eu sou boa a inventá-lo. Não gosto de coisas desencaixadas da vida, não gosto de sentir que há algo que não tinha que acontecer porque não significa nada. Deus é grande e sabe o que faz no nosso mapa da vida. Eu acredito nisto.
E cá estou eu. Não sei até quando, se dá tempo de desencaixotar todos os sentimentos ou se só vale a pena limpar o pó das caixas-do-coração-que-guardam-as-palavras. Mas não quero saber, quero só aproveitar cada canto desta nova casa e não deixar nada por escrevinhar nas paredes dela. Quando for hora de a deixar, e se chegar essa hora, então saberei que já a vivi como tinha de viver. Já dizia Fernando Pessoa que a valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
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